A Lei Complementar nº 208 (LC nº 208/24), sancionada em 02/07/2024 e publicada em 03/07/2024, introduz significativas alterações no Código Tributário Nacional e nas Normas Gerais de Direito Financeiro. Essas mudanças têm o potencial de impactar profundamente a gestão de créditos públicos no Brasil, trazendo tanto oportunidades quanto desafios para a administração tributária e para a sociedade como um todo.
Uma das principais inovações trazidas pela LC nº 208/24 é a possibilidade de cessão de direitos creditórios pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios a entidades privadas ou fundos de investimento. Essa medida, prevista no novo Art. 39-A da Lei nº 4.320/1964, permite que os entes públicos transfiram seus créditos tributários e não tributários a terceiros, desde que preservada a natureza do crédito, mantidas as garantias, critérios de atualização e condições de pagamento e vencimento.
A cessão de direitos creditórios pode ser uma ferramenta importante para aumentar a eficiência na recuperação de créditos públicos, especialmente aqueles de difícil cobrança. Ao transferir esses créditos para entidades especializadas, com maior capacidade operacional e tecnológica, a administração tributária pode potencializar a arrecadação e reduzir a inadimplência.
No entanto, essa medida também suscita preocupações quanto à transparência e à preservação das garantias dos créditos originais. Há o risco de que a cessão de direitos creditórios leve a uma mercantilização dos créditos tributários, onde o foco se desloca da justiça fiscal para a maximização do lucro. Além disso, a isenção do cedente de responsabilidade futura pode criar um cenário onde a Fazenda Pública não tem incentivos para garantir a qualidade dos créditos cedidos.
Para mitigar esses riscos, a LC nº 208/24 estabelece algumas limitações e condições para a cessão de direitos creditórios. A operação deve ser autorizada por lei específica, realizada até 90 dias antes do fim do mandato do chefe do Executivo e preservar as bases de cálculo constitucionais. Além disso, é vedada a cessão de percentuais pertencentes a outros entes.
Outra mudança relevante introduzida pela nova lei é a inclusão do protesto judicial ou extrajudicial como causa de interrupção da prescrição dos créditos tributários, por meio da alteração do Art. 174 do Código Tributário Nacional. Essa medida pode ser vista como um avanço na busca pela eficiência na cobrança tributária, evitando a perda de créditos por decurso de prazo.
No entanto, é fundamental que haja uma regulamentação clara sobre os limites e condições para o uso do protesto extrajudicial, a fim de evitar abusos e garantir a segurança jurídica dos contribuintes. O uso indiscriminado desse instrumento pode prolongar indefinidamente a possibilidade de cobrança de créditos tributários, gerando incertezas e prejuízos para os cidadãos e para a atividade econômica.
A LC nº 208/24 também amplia os poderes da administração tributária no que tange à requisição de informações cadastrais e patrimoniais de sujeitos passivos a entidades públicas e privadas, por meio da alteração do Art. 198 do Código Tributário Nacional. Essa medida visa aprimorar a fiscalização e a arrecadação tributária, permitindo que a administração tributária tenha acesso a dados relevantes para a cobrança de créditos.
No entanto, essa ampliação de poderes deve ser acompanhada de uma regulamentação cuidadosa, que estabeleça limites claros e mecanismos de controle para evitar abusos e garantir a proteção dos direitos dos contribuintes. O uso indevido ou desproporcional dessas informações pode representar uma violação à privacidade e à segurança jurídica dos cidadãos.
Além disso, a LC nº 208/24 prevê a colaboração entre os órgãos públicos no compartilhamento de dados para fins de fiscalização e cobrança tributária. Essa medida pode contribuir para uma maior eficiência e integração da administração tributária, permitindo o cruzamento de informações e a identificação de inconsistências e indícios de sonegação fiscal.
No entanto, é essencial que esse compartilhamento de dados seja pautado pelos princípios da finalidade, necessidade e proporcionalidade, garantindo que as informações sejam utilizadas de forma adequada e restrita aos fins legais. A cooperação entre os órgãos públicos deve ser acompanhada de mecanismos de transparência e prestação de contas à sociedade, permitindo o controle social sobre o uso dessas informações.
Em suma, a Lei Complementar 208/2024 introduz mudanças significativas na gestão de créditos públicos no Brasil, trazendo tanto oportunidades quanto desafios para a administração tributária e para a sociedade. A cessão de direitos creditórios, a interrupção da prescrição por meio do protesto extrajudicial e a ampliação dos poderes de requisição de informações pela administração tributária são medidas que podem contribuir para uma maior eficiência na arrecadação e na cobrança de créditos.
No entanto, essas inovações também suscitam preocupações quanto à transparência, à segurança jurídica e à proteção dos direitos dos contribuintes. É fundamental que haja uma regulamentação cuidadosa dessas medidas, estabelecendo limites claros, mecanismos de controle e garantias para evitar abusos e preservar a justiça fiscal.
Além disso, a implementação efetiva dessas mudanças dependerá de um esforço conjunto e coordenado dos entes federativos, da administração tributária e da sociedade como um todo. É necessário investir na capacitação dos servidores, na integração entre os diferentes órgãos e entidades, na transparência e na prestação de contas à sociedade.
Somente por meio de um trabalho diligente, comprometido e colaborativo será possível aproveitar as oportunidades trazidas pela LC nº 208/24 e enfrentar os desafios inerentes a essas mudanças. A construção de um sistema tributário mais eficiente, justo e transparente é uma tarefa contínua e complexa, que requer o engajamento de todos os atores envolvidos.
Cabe a todos nós, como cidadãos e agentes públicos, acompanhar de perto a implementação dessas mudanças, participar ativamente do debate público e trabalhar de forma diligente para que essas inovações se traduzam em benefícios concretos para a sociedade brasileira. Somente assim poderemos construir um sistema tributário mais moderno, eficiente e equitativo, capaz de enfrentar os desafios do século XXI e de promover o desenvolvimento sustentável do país.